Rio já tem espaços voltados a experiências e campeonatos de jogos com essa tecnologia. No Sesc Copacabana, é possível entrar em um game que se passa no Real Gabinete Português
Ludmilla de Lima 26/10/2019 – 07:00 / Atualizado em 26/10/2019 – 07:09
Rio – Se a realidade anda meio pesada, a dica é fugir dela. Pode ser numa viagem até a lua ou num mergulho até as profundezas do oceano, voando que nem super-homem ou mesmo passeando pelas entranhas do corpo humano. Todas essas aventuras são possíveis hoje por meio da realidade virtual, que vem reinventando os antigos fliperamas. Na cidade, há pelo menos cinco espaços voltados para experiências e games em VR (como é chamada a tecnologia entre os “iniciados”), incluindo um bar em Botafogo. A loja mais recente acaba de abrir numa galeria do Catete.
Tudo é meio futurista. Para entrar nesse universo criado por programas de computador, o passaporte são óculos que permitem ver e se movimentar em 360 graus. E há acessórios, como bastões iluminados (que parecem saídos de um dos filmes de Star Wars), microfones e volantes de carro, usados em alguns jogos.
“Já teve uma menina jogando Beat Saber que saiu correndo. Eu tive que segurá-lá para que não saísse porta afora”TOMAS OLIVADona de uma loja cirtual no Catete
Participar de uma ação em VR pode ser tão desgastante – já tem gente que usa como método para perder calorias – que poucos minutos nesse mundo paralelo podem ser o bastante. O hit atual é um jogo chamado Beat Saber, em que uma ou mais pessoas disputam com uma espécie de “sabre de luz” em cada mão.
Tanto na loja Virtual Rio, na galeria 228 da Rua do Catete, quanto na Ex-Real VR, no Parque Shopping Sulacap, em Jardim Sulacap, há campeonatos de Beat Saber, em que os competidores saem molhados de suor. Dono da Virtual Rio, o designer argentino Tomas Oliva, de 39 anos, diz que o negócio é tão real que, às vezes, as pessoas exageram:
— Já teve uma menina jogando Beat Saber que saiu correndo. Eu tive que segurá-lá para que não saísse porta afora — conta Tomas, fã de filmes de ficção científica e que sempre jogou videogame em computador, hábito substituído desde o ano passado pelos jogos em VR.
“De uma forma lúdica, mostramos à garotada, e aos adultos também, a importância de se preservar locais como este (Real Gabinete Português) para gerações futuras”ARTISTAS FRANCISCO ALMENDRA
Artista que criou experiência para o Real Gabinete Português
Lá, meia hora de jogo ou experiência (quando você simplesmente mergulha numa história sem competição) custa R$ 45. Quanto mais tempo você compra, mais desconto tem. O público vai de crianças de sete anos a pessoas na casa dos 30, passando, claro, pelos adolescentes. O lugar, com menos de dois meses de funcionamento, já virou palco de festinhas de aniversário, quando os convidados se esbaldam entre comes e muito game. Há dois marcados para breve, e ambos os aniversariantes vão comemorar na loja seus 13 anos.
É a idade de Pedro Queiroz, que virou cliente desde que viu pela primeira vez a loja do Catete aberta, enquanto seguia para o cursinho de inglês. No último campeonato de Beat Saber, ele terminou em segundo lugar:
— Você entra em outro mundo e tem o tempo todo coisas acontecendo a sua volta. E Beat Saber ainda tem música, e você dança enquanto corta os quadradinhos com o bastão – diz ele, revelando o lance do jogo.
Vale ressaltar que os espaços podem oferecer tecnologias diferentes. No Ex-Real, primeiro “fliperama” de realidade virtual da cidade, quem faz uso da tecnologia é rastreado o tempo todo por sensores infravermelhos. Em outros lugares, pode ser por uma câmera. Louco por videogame desde os tempos do Atari, o empresário André Rocha, de 47 anos, abriu o Ex-Real no final de 2017, depois de ficar desempregado. Técnico em telecomunicações, ex-funcionário de uma grande multinacional, ele diz que, no início, as pessoas passavam pela porta da loja perguntando “o que é isso?”.
André afirma que somente no ano passado os cariocas começaram entender mais do que se trata a tecnologia. E ele conta mil e uma histórias engraçadas (e estranhas) já passadas no seu negócio.
— Você pode fazer de tudo aqui. Uma vez passou um homem meio bêbado perguntando se podia beber uma cerveja. Eu disse que sim. Era um jogo tão bizarro que nem tenho mais. A ideia era beber uma cerveja (virtual) e atravessar uma autoestrada com um andador. Era mesmo uma sensação de estar bêbado, com a uma imagem turva e em câmera lenta — diz o empresário, contando mais.
— Temos um cliente médico de 60 anos fascinado pela experiência de ver o corpo humano funcionando por dentro. Nela, você pode ficar do tamanho de uma formiga e entrar no coração, além de simular doenças.
Já teve um jogador, adepto dos games de tiro, que caiu no chão porque tentou apoiar o braço num muro virtual… Foi motivo de risadas da noiva, que até então assistia ao companheiro entediada. Quem chega pedindo VR de terror é logo alertado que a experiência é, de fato, horripilante – não é para qualquer um. Para evitar acidentes, o dono da loja em Sulacap adotou um sistema de tatames em que o jogador, quando atinge sua borda, recebe a imagem de uma grade, como um aviso para não ir além. O preços por lá começam em R$ 15 para sete minutos. Para quem quer mais, 13 minutos custam R$ 25.
— Dá para se divertir e desestressar usando a tecnologia, sem que seja uma experiência egoísta. A realidade virtual pode ser vivida com amigos, com a família e até pessoas do outro lado do mundo, via on-line – destaca André Rocha.
Game no Real Gabinete Português
E existe pelo menos um game com um cenário carioca. No Sesc Copacabana, está disponível a experiência de realidade virtual “Livros Voadores”, como atividade complementar da exposição internacional “A Biblioteca à Noite”. No jogo, visitantes de todas as idades são levados virtualmente ao Real Gabinete Português de Leitura, que fica no Centro, para defender a biblioteca centenária de “simpáticas” traças invasoras que querem roubar os livros.
A mostra “A Biblioteca à Noite” leva o público a uma viagem virtual por diferentes bibliotecas ao redor do mundo. Como não havia nenhuma representante brasileira, o Sesc desafiou os artistas Francisco Almendra e Nelson Porto, do Studio KwO XR, a criarem uma experiência tendo uma biblioteca brasileira como protagonista. E o local escolhido foi o Real Gabinete Português de Leitura, jóia da arquitetura neomanuelina, de 1888, cujas estantes remetem a filmes de época.
Para entrar no jogo, que ficará em cartaz até o fim de janeiro, é preciso se armar com bolinhas de papel virtuais, usadas para derrubar as traças e salvar os livros da invasão. Crianças a partir de 6 anos podem participar da atividade, gratuita.
— O Real Gabinete Português de Leitura não fica a dever nada às dez bibliotecas da mostra. Até a achamos mais bonita. É especial não só por ser no Rio, mas porque temos uma relação especial com ela, um lugar que sempre frequentamos e onde sempre fomos bem acolhidos – diz Francisco, um dos criadores, chamando a atenção para a brincadeira “séria”: — De uma forma lúdica, mostramos à garotada, e aos adultos também, a importância de se preservar locais como este para gerações futuras.
Nelson Porto complementa:
— O papel da criança é defender a biblioteca. Ao ganhar pontos, acertar as traças que estão tentando roubar os livros, ela se torna defensora da cultura. Sente que é preciso salvar aquele lugar.